No último texto aqui da coluna iniciamos nossa discussão sobre o assunto (clique e confira aqui). Agora, veremos mais dois povos minoritários do Brasil e concluiremos.
SERTANEJOS
O vocábulo nos remete ao interior do nordeste brasileiro, marcado por uma realidade geográfica, étnica, histórica e cultural diversa. No tocante ao quadro socioeconômico, predomina significativa desigualdade e um panorama religioso sincrético, sendo a taxa média de cristãos evangélicos inferior a 5%. De acordo com Cesário Conserva (2021), a comunidade sertaneja é relacional, de organização comunitária e solidária. De modelo matriarcal, valoriza-se a vivência em família e não incentiva a individualização. Possui significativos índices de analfabetismo, de pobreza e de dificuldade de acesso à informação e aos direitos. E por estar imersa em um ambiente natural adverso e de graves carências socioeconômicas, tais fatores contribuem que sejam resistentes a mudanças e suscetíveis à exploração (política, ideológica e religiosa). No tocante à cosmovisão sertaneja, ressalte-se que se possui particularidades relativas aquela predominante no mundo ocidental. A religiosidade sertaneja, denominada catolicismo popular, é um amálgama dos animismos indígena e africano e o catolicismo português. É bastante sincrética, utilitarista e sem a real compreensão de quem é o Deus das escrituras bíblicas. Daí haver atribuição de poder a diferentes santos, que são hierarquizados, sendo que Maria é a que recebe maior devoção e prestígio. A religiosidade se expressa em rituais (procissão, romarias, penitências), crenças em manifestações sobrenaturais (sonhos e aparições), influência de videntes, rezadeiras e benzedeiras que têm importante papel de mediação, relação com mortos e ancestrais, e veneração a santos e relíquias. A ação missionária entre os sertanejos deve considerar todos os aspectos culturais acima descritos, isto é, centrada no modelo de Jesus, deve confrontar os argumentos enganosos do catolicismo popular com a autoridade das Escrituras em um discipulado intenso. Ciente do caráter relacional, é pertinente incentivar o desenvolvimento de uma comunidade de fé que valorize a tradição oral, a partilha comunitária, perseverante e piedosa, como nos remete o texto de Atos 4.32- 35. Desse modo, cada cristão sertanejo poderá romper com as amarras histórico-culturais e reconhecer-se cidadão do céu, salvo em Cristo.
QUILOMBOLAS
Os três séculos de escravidão no Brasil (1530-1888), a resistência dos escravizados se fez de inúmeros modos. Uma delas foi a fuga e a formação de comunidades em locais isolados para proteção e sobrevivência fora da opressão, castigos e trabalhos forçados. Eram os quilombos onde homens e mulheres tinham sua condição humana e dignidade reconhecidas. Essas comunidades subsistiram os séculos e seus descendentes são conhecidos por quilombolas. O Estado brasileiro reconhece cerca de 3.500 comunidades quilombolas que estão presentes em quase todos os estados. A região nordeste concentra o maior número delas, notadamente os estados de Maranhão (381), Bahia (380) e Pernambuco (104). Um levantamento da Aliança Evangélica Pró-Quilombolas do Brasil estima que cerca de 2000 comunidades quilombolas no país não têm presença evangélica. (http://quilombolas.org.br/) Os quilombolas se organizam em associações e lutam pela preservação de sua história, de sua identidade cultural e pela posse da terra de seus antepassados. Na maioria das vezes, o líder exerce autoridade político-administrativa e religiosa. A história de luta de seus ancestrais compartilhada por gerações, lhes confere um senso coletivo e de valorização dos saberes e fazeres herdados (práticas agrícolas, culinária, hábitos e costumes, festas e danças, crenças e narrativas). A religiosidade é um importante elemento de sua cosmovisão, sendo majoritariamente, sincretista. Tal sincretismo é herdado do animismo africano e da conversão forçada ao cristianismo dos escravizados ao chegarem ao Brasil. Daí crerem que Deus é mais um entre os senhores de seu panteão místico. A comunicação missionária entre os quilombolas deve, inicialmente, ser ciente de sua história, de suas lutas e suas tradições a fim de que o evangelho seja apresentado de modo inteligível. Ao iniciar seu ministério entre os quilombolas do nordeste do Brasil, o missionário Paulo Mikheias Varão (2021) afirma que gastou tempo se contextualizando, ouvindo e aprendendo histórias, costumes, crenças e narrativas da comunidade para tornar sua atuação mais relevante ao apresentar o evangelho de Cristo como “poder de Deus para salvação de todo aquele que crê” (Rm 1.16), explicitando que Deus é o único senhor. Por isso, o conhecimento cultural articulado ao conhecimento teológico é imprescindível. Por fim… Esses quatro povos minoritários do Brasil possuem uma estrutura social tradicional e, resguardadas suas especificidades, podemos identificar alguns elementos comuns: sociedade relacional, tradição oral e sincretismo religioso. Tais elementos permitem algumas considerações. Assim como Jesus dispendiou tempo com as multidões e, especialmente, com seus discípulos, estar com as pessoas, ouvindo-as, dialogando, construindo pontes e solidificando relacionamentos é um caminho profícuo para evangelização. As pessoas querem ser ouvidas e a oralidade é um dos mais antigos e eficazes meios de comunicação que permite que, por gerações, um saber ou crença seja preservado. E em meio ao relacionamento com pessoas de diferentes vivências e experiências vai se formando e acumulando modos de percepção que se agregam à cosmovisão. É assim que o sincretismo religioso vai se constituindo e consolidando. Diante desse panorama, mostra-se a importância da contextualização do evangelho para cada realidade e comunidade, atentando para o que ensina Ronaldo Lidório (2009) de que o evangelho “é supracultural, pois define e explica a cultura, não o contrário; cultural, por ter sido revelado à humanidade em seu próprio contexto e história; intercultural, por juntar ao redor de Jesus pessoas de todos os povos; multicultural, ao ser destinado a todos os povos e línguas; transcultural, quando transmitido de uma cultura a outra; e contracultural, pois sempre confronta o homem em sua própria cultura”.
Referências
Aliança Evangélica Pró-Quilombolas do Brasil. http://quilombolas.org.br/ Brasil Cigano – I Encontro Nacional dos Povos Ciganos , 20 a 24 de maio de 2013, em Brasília. Disponível em http://www.amsk.org.br/imagem/marcosLegais/SEPPIR_relatorio-executivo-Brasil[1]cigano.pdf. CARVALHO, Iraquitan. Plantio, Crescimento, Multiplicação e Revitalização de Igrejas. Uma proposta para comunidades tradicionais do Brasil. 1 o Simpósio de Evangelização e Plantação de Igrejas entre os povos minoritários do Nordeste. Missão Juvep. 2021. http://comoouvirao.com.br/povos-minoritarios/. Ciganos, Indígenas, Quilombolas, Refugiados, Ribeirinhos e Sertanejos. CONSERVA JÚNIOR, Cesário. Povo Sertanejo. 1 o Simpósio de Evangelização e Plantação de Igrejas entre os povos minoritários do Nordeste. Missão Juvep. 2021. JOSHUA PROJECT. https://joshuaproject.net/ LIDÓRIO, Ronaldo A. Quem são os menos evangelizados no Brasil? Ultimato online. 2014. Disponível em: https://www.ultimato.com.br/conteudo/quem-sao-os-menos-evangelizados-no-brasil ___________. A armadura de César e a panoplian de Deus. Perspectivas no Movimento Cristão Mundial. São Paulo: Vida Nova, 2009. LOPES, Noelma Abílio. Evangelismo e Plantação de Igreja em Comunidades Ciganas. 1 o Simpósio de Evangelização e Plantação de Igrejas entre os povos minoritários do Nordeste. Missão Juvep. 2021. Missão JUVEP. https://www.juvep.com.br/ . VARÃO, Paulo Mikheias. Quilombolas. 1 o Simpósio de Evangelização e Plantação de Igrejas entre os povos minoritários do Nordeste. Missão Juvep. 2021. WORRALL, Alison. Quilombolas: um desafio para a Igreja. Ultimato online. 2012. Disponível em: https://ultimato.com.br/sites/paralelo10/2012/02/quilombolas-um-desafio-para-a-igreja
Colunista: Sandra Mara Dantas