Para conseguirmos falar sobre os filhos da terceira cultura, primeiramente vamos entender como essa geração foi criada, quem são, para depois levantarmos a questão sobre os cuidados que devemos ter com eles. No final da década de 1970 um movimento missionário brasileiro teve um grande avanço. Já nos início dos anos 80 jovens solteiros, casais sem filhos e umas poucas famílias seguiram para o campo missionário. Com o passar do tempo, muitos solteiros formaram famílias e os já casados tiveram filhos, assim o número de filhos de missionários (FMs) sendo criados no exterior cresceu.

Foi então no início do século XXI que começa a primeira geração de filhos da Terceira Cultura, com brasileiros retornando à pátria. Então, foi percebido que certo cuidado para com eles havia faltado. Até recentemente, as agências e igrejas brasileiras, na sua grande maioria, ao enviar famílias, considerava o homem como sendo “o missionário” e a sua família era vista como responsabilidade do próprio missionário. Hoje reconhecemos que, ao enviar famílias, é de suma importância que haja um preparo e acompanhamento da família e dos FMs por parte da igreja e da agência. Este cuidado deve começar no início da carreira missionária dos pais e continuar até a vida adulta do FM.

Por quê tanto cuidado? A família missionária passa por grandes mudanças geográficas e culturais, muitas vezes, em lugares isolados, longe dos familiares e sem os meios de suporte tão comuns no nosso próprio país. Os desafios enfrentados no campo não são comuns na pátria e, sem a preparação, orientação e bons recursos, a família pode não sobreviver a longo prazo no exterior. Saímos para alcançar o mundo para Cristo e não queremos perder os próprios filhos no caminho. Precisamos ser proativos em buscar as ferramentas que vamos precisar na jornada.

O cuidado para com os FMs no Brasil De Flechas para Philhos

Em 2007, o primeiro ministério formal para o cuidado de FMs, Flechas, da WEC Brasil, foi fundado. Seu nome foi inspirado em Salmo 127.4 “Como flechas na mão do guerreiro, assim os filhos da mocidade”. Paralelamente, algumas outras agências estavam sentindo a necessidade dos cuidados de FMs e começaram a ter alguma atuação, mesmo sendo informal, nesta área. Flechas sempre teve o intuito de abençoar não somente os FMs da WEC Brasil, mas qualquer família missionária brasileira. Em 2009, um movimento de cuidado missionário, encabeçado por Antonia Leonora Van Der Meer, João Marcos Cardoso de Souza, Márcia Tostes e William Bacheller, tomou forma, e o Cuidado Integral do Missionário (CIM), debaixo da AMTB (Associação de Missões Transculturais Brasileiras) nasceu. Flechas foi afiliado ao CIM como sendo o departamento de FMs, trabalhando nível nacional debaixo da coordenação de Alicia Macedo. Por dois anos manteve o nome Flechas, sendo Flechas/WEC (nível de agência) distinto de Flechas/CIM (nível nacional). Em 2011, para evitar confusão, sofreu a mudança de nome, sendo que Flechas continuou como o nome do departamento de FMs da WEC Brasil e o departamento de FMs do CIM foi denominado Philhos.

O chamado e a família

Quando o chamado missionário envolve a família, Deus não chama somente os pais. Ele chama a família como unidade. O filho, porém, não é chamado para ser “missionariozinho”, e sim filho de missionário. Reconhecemos que quando Deus chama os pais, Ele tem os filhos em mente. Ele sabe tudo que eles vão enfrentar na vida e tem planos para eles, como está escrito em Jeremias 29.11 – “Pois eu bem sei os planos que estou projetando para vós, diz o Senhor; planos de paz, e não de mal, para vos dar um futuro e uma esperança”. Deus é capaz de transformar até as coisas mais difíceis em riqueza. Hoje sabemos que um bom acompanhamento pode fazer toda a diferença.

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Filho da Terceira Cultura (FTC)

Quando falamos do FM – Filho de Missionário – precisamos também falar do fenômeno da Terceira Cultura. O Filho da Terceira cultura (FTC) é a pessoa que, como criança ou adolescente, mora, por tempo significante, numa cultura diferente da cultura dos seus pais. Isto inclui famílias de missionários, militares, estudantes, imigrantes, trabalhadores, diplomatas, esportistas, etc. Os cientistas, Dr. John e Dra Ruth Hill, foram os primeiros a usarem este termo, nos anos 50, relacionado à pesquisa sobre famílias americanas morando na Índia. Depois, o termo foi desenvolvido e difundido pelo excelente trabalho de David Pollock e Ruth Van Reken, no seu livro “Third Culture Kids”. Como podemos ver, a grande maioria dos FTCs não são filhos de missionários, mas a grande maioria dos FMs, são sim FTCs. Por isto, é imprescindível abordarmos as questões intrínsecas da vida do FTC que são ligados à sua alta mobilidade e mistura cultural. Neste artigo vamos sempre tratar o FM como sendo também um FTC.

A vida de alta mobilidade significa que o FM passa por um grande número de transições, na sua vida. Isto pode fazer com que o FM aprenda a ser flexível com uma grande capacidade de adaptabilidade. Porém, cada transição significa perdas, mesmo que o FM esteja indo para uma situação considerada mais favorável. Não é incomum que um FM experimente mais de 15 mudanças significativas até o final da sua adolescência. Isto, sem levar em conta as mudanças “passivas” que ele experimenta quando pessoas significantes entram e saem da sua vida, por exemplo, quando o melhor amigo volta para o seu país de origem, ou quando os missionários de curto prazo se tornam seus amigos e depois vão embora. O acúmulo de perdas pode fazer com que o FM chegue ao seu ponto de saturação de dor emocional, e se feche para novos relacionamentos. A mistura cultural, consequente da vida internacional, por sua vez, alarga a cosmovisão do indivíduo e afeta a identidade cultural do FM. As culturas que fazem parte da sua convivência, como a cultura da pátria, dos pais, do campo, da escola, da comunidade internacional, se mesclam para formar a sua identidade cultural pessoal. O FM vai ter uma identidade cultural diferente dos seus pais, baseada na sua criação. Esta identidade o acompanhará pelo resto da sua vida. Enquanto a pessoa monocultural tem facilidade em se identificar culturalmente. “sou brasileiro”, “sou senegalês”, o FM pode relutar com a pergunta, “Quem sou eu?”. Ele pode se sentir em casa em várias culturas, sem se sentir que cabe 100% em nenhuma. Isto pode fazer com que a crise de identidade normal, no final da adolescência e início da juventude, seja um tempo mais conturbado emocionalmente. Ainda que a fase de formação da identidade pessoal possa ser muito complexa, o produto final pode resultar numa mistura cultural de grande riqueza que leva o individuo a atingir um potencial ainda maior. De novo, ressaltamos, que um bom acompanhamento pode fazer toda a diferença.

Necessidades específicas dos FM/FTC

Criar o filho no exterior requer atenção nas seguintes áreas:

  • A formação acadêmica.
  • A manutenção da língua pátria.
  • O preparo pré-campo.
  • A adaptação no campo.
  • A manutenção da cultura brasileira.
  • A capacitação para lidar com as perdas.
  • O tempo de Licença para Atualização e Renovo (LAR) na pátria.
  • A reentrada definitiva.
  • A saúde física, emocional e espiritual.
  • A vida social.
  • Assistência aos pais.

A peça chave

Vimos que os elementos da alta mobilidade e da mistura cultural do FM têm grandes implicações na vida deste, mas, o que mais importa, é o relacionamento com seus pais e a saúde familiar. O Dr. Paul Tournier se refere a esta questão quando ele fala: “Pais unidos, fortes e saudáveis darão aos seus filhos um senso de segurança que será forte o bastante para que eles possam superar até mesmo o exilio sem sérios danos, e permitir que eles se integrem facilmente em seu novo ambiente.” Todos os anos de experiência têm me mostrado que os filhos que se sentem amados e importantes para os seus pais se dão melhor. Mas, é importante salientar que o fato dos pais amarem os seus filhos não significa que automaticamente eles se sintam amados. É necessário que os pais aprendam a expressar o seu amor de tal forma que os filhos se sintam amados. A saúde familiar precisa ser cultivada como um jardim bem cuidado, para que cada pessoa envolvida possa florescer na sua singularidade.

 

 

Texto com base em informações de Alicia Macedo.

alicia macedo

Alicia Macedo é Missionária há vinte e seis anos junto a Missão AMEM (WEC Brasil). Casada com José Rosifran Macedo e mãe de três filhos. Foram, por doze anos, os diretores do MTC Latino Americano, escola de formação missionária da AMEM, e 12 anos diretores da AMEM. Ela é a coordenadora do ministério Flechas (departamento de cuidado de filhos de missionários da missão AMEM), consultora do CIM – Cuidado Integral do Missionário- e é autora do livro Estamos de Mudança.

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