Por Ronaldo Lidório
Se agrupados, os motivos de preocupação e angústia com a Igreja nos dias atuais produziriam uma lista mais extensa que as 95 teses expostas por Lutero em 1517. O constrangedor mercantilismo da fé; a frenética busca por pomposos títulos ministeriais; a manipulação da política eclesiástica para satisfações pessoais; o desinteresse pela missão e a intencional distorção dos textos bíblicos são apenas alguns — entre muitos — motivos de agonia ao olhar para a Igreja de hoje. É momento de quebrar o coração e buscar o Senhor para um sério compromisso de vida, renovo de alma e fidelidade no trato com as Escrituras.
Há, porém, grandes motivos para celebração!
- Espantosamente, a Igreja tem crescido nos lugares mais improváveis — como Índia, Etiópia, Filipinas, China e Nigéria — e em todo canto há uma busca cada vez mais intensa pela Palavra de Deus. Milhares de anônimos levam diariamente a mensagem de Cristo para as ruas, escritórios, universidades, cidades e campos em todo o mundo. A Bíblia está traduzida, parcial ou totalmente, em mais de 2.500 línguas.
- O evangelho no Brasil tem sido anunciado, de forma crescente, entre os que pouco ouviram — como indígenas, ribeirinhos, quilombolas, ciganos, sertanejos, imigrantes e surdos –, além de invadir as grandes e médias cidades. Em todo o mundo, mais de 120 milhões de cristãos vivem e perseveram em regiões hostis à sua fé.
- O impressionante milagre da conversão se dá em incontáveis vidas todos os dias. Em 1900 havia 100 milhões de protestantes no mundo e a projeção para 2050 é de quase 700 milhões. Louvado seja o Cordeiro, que tem preparado a sua noiva para o grande dia!
Em 2012, empreendi uma viagem de pesquisa missionária ao longo do rio Solimões a partir de Manaus, no Amazonas. Durante seis dias, subimos o rio até a fronteira com a Colômbia em uma época de grande alagamento. Nos primeiros três dias, não encontramos sequer uma comunidade, fosse de palafita ou construída em terra firme, que não estivesse embaixo d’água. As populações se refugiaram nas cidades maiores e algumas poucas famílias tentavam subsistir em suas próprias casas em meio ao alagado. Parando em diversas comunidades, encontramos lamento e choro, além de grande frustração. Haviam perdido suas casas, roças e animais — e também a esperança. No fim do segundo dia de viagem, avistamos uma casa sobre palafitas também coberta pela água até o meio das janelas. Três faces apareceram e, para a minha surpresa, estavam sorridentes. Parando a voadeira, equilibrei-me em algumas pranchas para entrar naquela casa. Em um canto da sala haviam construído um esteio de madeira que era elevado à medida que o rio subia. A família, formada por cinco pessoas, se apinhava naquele pequeno quadrado, onde também atavam suas redes e mantinham as panelas, além de um pequeno fogão e um saco de farinha. Expressei minha admiração por encontrá-los sorridentes, ao que rapidamente mencionaram ter encontrado Jesus no ano anterior — e haviam concluído o momento devocional da família justamente quando chegávamos. O marido mencionou que estudavam naquela manhã sobre a bondade de Deus e estavam se lembrando dos muitos motivos de louvor, como a vida, a família e a salvação. A esposa completou: “E também o rio, que o Senhor segurou no limite”, não permitindo perderem a vida. Saí daquela casa agradecendo a Deus pelo testemunho, pois nenhuma tragédia será maior do que a sua bondade em nossas vidas. E pela Igreja, que apesar das inundações e lutas, segue caminhando. Nossa natureza é Cristo. Vemos no Novo Testamento que a Igreja foi um resultado direto da vida e dos ensinos de Jesus Cristo, portanto tem o seu DNA. Em Atos, lemos que a Igreja era koinônica (orientada pela comunhão dos santos), kerygmática (proclamadora do nome de Jesus), martírica (vivia segundo a sua fé), proséitica (cultivava a oração), escriturística (amava e seguia a Palavra de Deus), diácona (servia com amor aos necessitados), poimênica (pastoreava o povo) e litúrgica (cuja vida era a adoração ao Pai).4 Essa é a nossa identidade, quem somos em Cristo Jesus. E a nossa natureza. Apesar das provações, perseguições, escândalos e esfriamento, sempre seremos atraídos de volta às raízes, que a Palavra tão bem apresenta:5 A Igreja é um grupo de redimidos, originada por Deus e pertencente a Deus, portanto formada por uma multidão de servos e um só Senhor (1Co 1.1-2). A Igreja não é uma sociedade alienante. Os que foram redimidos por Cristo continuam sendo homens e mulheres, pais e filhos, fazendeiros e comerciantes chamados para viver o evangelho no mundo e não longe dele (Mt 10). A Igreja é uma comunidade sem fronteiras. Portanto, fatalmente missionária. É chamada a proclamar Jesus perto e longe — e fazer discípulos (Rm 15.18-19). A Igreja é chamada para viver Cristo e não apenas compreendê-lo. Quando orientada pelas Escrituras e comprometida com Jesus, ela se torna um grande testemunho para o mundo (Gl 2.20). A Igreja é Igreja quando segue a Palavra. Perseverar na doutrina dos apóstolos implica compreensão e vida — compreender a Palavra de Deus com fidelidade e aplicá-la em nossa vida diária (At 2.42). A Igreja tem como propósito maior glorificar a Deus. Este é o nosso chamado e para tanto é preciso nos desglorificarmos. Devemos lembrar-nos de que nossa primeira missão é morrer (1Co 6.20; Rm 16.25-27). Somos chamados para a perseverança A Palavra de Deus exorta-nos a perseverar. Aos Efésios, Paulo afirma que devemos ser fortalecidos no Senhor (6.10) para não cair nas ciladas do diabo (v. 11), resistir no dia mau (v. 13) e proclamar o evangelho (v. 19). O termo “resistir” é tradução de uma palavra grega frequentemente usada para uma estaca bem fincada que, após os ventos e chuvas, permanece firme. Alguns anos atrás, rascunhei um exercício espiritual para sermos uma Igreja fortalecida, o qual partilho a seguir: — Preocupar-nos um pouco menos com as loucuras feitas em nome de Cristo e um pouco mais com o nosso próprio coração para que não venhamos a ser desqualificados. — Seguirmos os desejos do Senhor sabendo que, para isso, quase sempre estaremos na contramão do mundo. — Para cada palavra de crítica à Igreja — autocrítica, se assim quiser — termos uma palavra ou duas de encorajamento. — Ouvirmos com zelo e temor os profetas que nos denunciam o erro, bem como os pastores que nos encorajam a caminhar. — Buscarmos na Palavra de Deus o fortalecimento da fé e o alimento da alma. — Não perdermos de vista Jesus Cristo, Cordeiro vivo de Deus, para que a tristeza advinda das frustrações não nos impeça de experimentar a alegria do Senhor. Somos chamados a seguir caminhando. Lutero lembra-nos de que “esta vida, portanto, não é justiça, mas crescimento em justiça. Não é saúde, mas cura. Não é ser, mas se tornar. Não é descansar, mas exercitar. Ainda não somos o que seremos, mas estamos crescendo nesta direção. O processo ainda não está terminado, mas vai prosseguindo. Não é o final, mas é a estrada. Todas as coisas ainda não brilham em glória, mas todas as coisas vão sendo purificadas”.6 Que o Altíssimo nos encoraje a perseverar até o fim, pois o que nos aguarda é puro esplendor! “Regozijemo-nos, e exultemos, e demos-lhe a glória; porque são chegadas as bodas do Cordeiro, e já a sua noiva se preparou” (Ap 19.7). Aleluia!
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Notas 1. JOHNSTONE, Patrick. “The future of the global church”. Reino Unido: Authentic Media Limited, 2011. 2. LEWIS, Paul (Ed). “Ethnologue: Languages of the World”. 16. ed. Dallas: SIL International, 2009. 3. Portas abertas. Consulta online: www.portasabertas.org.br 4. Referência aos termos “koinonia”, “kerygma”, “martyrion”, “proseuche”, “didache”, “diakonia”, “poimenia” e “ainoyntes” encontrados no livro de Atos descrevendo a vida da Igreja. 5. LIDÓRIO, Ronaldo. “Church Planting”. In: CORRIE, John. “Dictionary of Mission Theology”. Reino Unido: Inter-Varsity Press, 2007. 6. BOISVERT, Robin; MAHANEY, C. From “Glory to Glory: Biblical Hope for Lasting Change”. Anaheim: People of Destiny International, 1993.