O verbo “evangelizar” perdeu o seu bonito e precioso significado. Foi adulterado. Não mais significa apregoar a salvação pela graça, mediante a fé em Jesus Cristo (Ef 2.8). Não mais diz respeito ao arrependimento e à conversão. O anúncio virou adesão. Hoje, a tendência é evangelizar para crescer e não evangelizar para arrebatar almas do inferno. Ontem, a alegria era por um pecador que se arrependesse; hoje, a alegria é por uma multidão que se filia à igreja, independentemente da convicção e tristeza pelo pecado. No momento há muito mais livros sobre crescimento de igreja do que sobre evangelização.
Por causa dessas idéias fixas de crescimento, estamos cometendo loucuras. Aumentamos a largura da porta estreita (Mt 7.13) e diminuímos a altura do paradigma (“Sejam santos porque eu sou santo”). Substituímos a pregação do “negar-se a si mesmo” (Lc 8.34) pela pregação das benesses do evangelho da fé. Escondemos a parte difícil da caminhada cristã e expomos a teologia da prosperidade, que vem ao encontro de necessidades reais e de anseios consumistas. O número de fiéis aumenta e a receita da igreja também.
Nesse afã, a igreja absorve técnicas empresariais (administração, visibilidade, marketing, empreendedorismo, imediatismo, lucro, franquia, alvos) e as empresas absorvem valores religiosos (meditação, oração, pensamento positivo, o “tudo posso” de Paulo e o “Deus é fiel” do salmista).
Vemo-nos desmoralizados. Contudo, estamos crescendo também e esse crescimento numérico ofusca os nossos desacertos. Daí a necessidade urgente de se redescobrir a seriedade da evangelização. Evangelizar é:
1. Demonstrar, pelas Escrituras, que Jesus, o descendente da mulher, esmagou a cabeça da serpente, embora esta lhe tenha ferido o calcanhar.
2. Conduzir o pecador do paraíso perdido de Gênesis ao paraíso recuperado de Apocalipse, passando pela história (o conjunto de fatos que já aconteceram) e pela escatologia (o conjunto de fatos que ainda se esperam).
3. Afirmar corajosamente que a sorte final do ser humano não é a desgraça provocada pelo primeiro Adão, por meio da qual o pecado entrou no mundo e na história, mas a graça provocada pelo segundo Adão (Jesus), por meio do qual o pecado é tirado do mundo e da história.
4. Apresentar a salvação toda: a salvação da culpa do pecado por meio da justificação, graças ao sacrifício vicário de Jesus Cristo; a salvação do poder do pecado por meio da santificação progressiva, graças à habitação do Espírito em nós; e a salvação da presença do pecado em nós e ao nosso redor por meio da glorificação do corpo e da criação, graças ao poder de Deus em fazer novas todas as coisas.
5. Rasgar de alto a baixo a cortina que faz separação entre o homem, absolutamente pecador, e Deus, absolutamente santo, por meio da lembrança da cruz ensangüentada da sexta-feira da paixão e da cruz vazada do domingo da ressurreição.
6. Jogar a corda ao náufrago que está se debatendo desordenadamente nas ondas do mar, antes que seja tragado por elas e morra afogado.
7. Mostrar a beleza toda de Jesus Cristo, com sabedoria, com emoção, com vigor, com profunda convicção e sem a presunção de que só isso é suficiente, deixando de lado a operação misteriosa e soberana do Espírito Santo.
Fonte: Texto publicado na Revista Ultimato