Ainda que a expressão “missão integral” tenha ficado na moda, a aproximação à missão que ela representa não é recente. Com efeito, a prática da missão integral remonta a Jesus Cristo e à igreja do primeiro século. Em contraste com a missão integral, a aproximação missionária tradicional, amplamente conhecida como “missão transcultural”, tomou forma no movimento missionário moderno especialmente a partir de fins do século 18, em grande medida pelo trabalho de muitos missionários tradicionais para quem a missão da igreja se reduzia à missão transcultural. Hoje a igreja é um movimento de alcance mundial, com congregações em praticamente todas as nações da terra. A Deus seja a glória! Por outro lado, também temos que reconhecer que a identificação da missão da igreja com a missão transcultural deu lugar pelo menos a três dicotomias que a afetaram negativamente.
Em primeiro lugar, a dicotomia entre “igrejas que enviam missionários” — em sua maioria situadas em países da Europa, nos Estados Unidos, na Austrália ou na Nova Zelândia – “e igrejas que recebem missionários” — quase exclusivamente na Ásia, África e América Latina –, embora isto esteja mudando graças ao crescente número de missionários transculturais enviados de fora do Ocidente.
Em segundo lugar, a dicotomia entre “o lar” — “home”–, localizado em algum país do “mundo ocidental e cristão”, e “o campo missionário” — “mission field” –, localizado em algum país pagão. Não surpreende que a maioria dos “missionários de carreira”, depois de muitos anos de serviço, opte por se aposentar em sua terra natal.
Em terceiro lugar, a dicotomia entre “a vida e a missão da igreja”. Se para que a igreja fosse “missionária” bastasse enviar e apoiar alguns de seus membros a fim de se ocuparem da missão, seria possível haver igrejas cuja vida não tivesse nenhum impacto significativo na vizinhança circundante: a vida se desenvolveria na situação local — “at home” — e a missão, em outro lugar, preferentemente no exterior — “the mission field”.
Todas essas dicotomias se desprendiam da redução da missão a um esforço missionário transcultural. E como consequência delas, a missão consistia primordialmente na tarefa de evangelização que os missionários enviados de países cristãos aos campos missionários do mundo levavam a cabo, com o qual cumpriam representativa ou vicariamente — por assim dizer — a tarefa missionária de toda a igreja.
A partir da perspectiva da missão integral, a missão transcultural não chega nem perto de esgotar o sentido da missão da igreja. A missão pode ou não envolver um cruzamento de fronteiras geográficas, mas em todo caso tem a ver primordialmente com um cruzamento da fronteira entre a fé e a não fé, seja na terra natal — “at home” — ou no exterior — “mission field” –, em função do testemunho acerca de Jesus Cristo como Senhor da totalidade da vida e de toda a criação. Cada geração de cristãos em todo lugar recebe o poder do Espírito que torna possível o testemunho do evangelho “tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria, e até os confins da terra” (At 1.8). Em outras palavras, cada igreja, seja qual for a sua localização, é chamada a participar na missão de Deus — uma missão que tem um alcance local, um alcance regional e um alcance mundial –, começando em sua própria “Jerusalém”. Para cruzar a fronteira entre a fé e a não fé não é indispensável cruzar fronteiras geográficas; o fator geográfico é secundário. O compromisso com a missão está na própria essência de ser igreja. Consequentemente, a igreja que não se compromete com a missão de testificar acerca de Jesus Cristo, e assim cruzar a fronteira entre a fé e a não fé, deixa de ser igreja e se converte em um clube religioso, um mero grupo de amigos ou uma agência de bem-estar social.
Traduzido por Wagner Guimarães.
Fonte: Texto publicado originalmente na edição 363 da revista Ultimato.