Terrorismo, Estado Islâmico, drama de refugiados, conflitos culturais. Diante deste cenário, devemos ter medo dos muçulmanos? Como o cristão deve enxergar e se relacionar com um seguidor do Islã? Nós fizemos estas e outras perguntas a Marcos Amado, pastor e atual diretor do Movimento de Lausanne para América Latina, e um estudioso no tema. Confira.
O terrorismo, o surgimento do Estado Islâmico e o drama dos refugiados, entre outros temas, têm trazido à tona questões polêmicas sobre o Islamismo, como sua radicalidade e violência. Que pontos mais delicados o Ocidente precisa resolver com o Islã? Como você vê este momento que vivemos hoje?
Marcos Amado – O momento que vivemos hoje em relação aos muçulmanos é de muita preocupação. Infelizmente o radicalismo islâmico é um fenômeno que veio para ficar por um bom tempo. Mas temos que ter muito cuidado com o que talvez poderíamos chamar de “miopia histórica”. O fenômeno do radicalismo islâmico não é novo e começou a se desenvolver com mais intensidade a partir do momento em que as nações europeias (principalmente Inglaterra e França) colonizaram os países árabes, e se exacerbou a partir do momento em que os árabes entenderam que a divisão da palestina proposta pelas Nações Unidas não era justa, considerando que o número de árabes palestinos (cristãos e muçulmanos) era bem maior em 1947 que o número de judeus, e possuía a maioria da terra existente na região. Apesar disso, a ONU decidiu dar a maior parte do território, e das terras produtivas, para o que acabou se transformando no Estado de Israel a partir de 1948. Se não fosse pela forma que o Estado de Israel foi criado, não haveria, por exemplo, grupos terroristas como o Hamas (na faixa de Gaza) e o Hezbollah (no Líbano).
Portanto, o Ocidente tem uma dívida histórica com o povo árabe. Essa dívida envolve promessas não cumpridas e outras traições e manobras políticas que defendiam apenas o interesse do Ocidente.
Podemos justificar a violência e radicalidade muçulmana? De forma alguma. Mas o Ocidente não pode se isentar do que está acontecendo, pois é fruto de sua própria política expansionista e colonizadora.
Com relação à questão dos refugiados, alguns defendem que os países europeus têm o direito de não acolhê-los. Alguns cristãos temem que o acolhimento de refugiados muçulmanos poderia causar uma “islamização”. O que você acha disso?
Marcos Amado – Na verdade, eu creio que seria um excelente momento para que os cristãos de todo o mundo se organizassem e aproveitassem a oportunidade para testemunhar de Cristo (em palavras e obras) para os refugiados muçulmanos que estão indo para a Europa. Muitas vezes não podemos testemunhar para eles em seus próprios países, mas agora eles estão se mudando para regiões do mundo onde é permitida a pregação do Evangelho.
É uma falácia dizer que o influxo de imigrantes muçulmanos vai fazer com que haja uma “islamização” da Europa. Dados recentes do Pew Forum, importante instituto de pesquisa norte-americano, diz que a previsão é que até o ano 2030 o número de muçulmanos na Europa não ultrapasse os 8%.
Porém, é importante que os governos europeus tenham planos concretos para que estes imigrantes realmente se adaptem ao seu novo país, em vez de viverem em “guetos muçulmanos”, como já acontece hoje em algumas partes da Europa.
Pessoalmente creio que somente haverá uma radicalização maior do Islã na Europa, se os governos não fizerem corretamente o seu papel, e os cristãos de todo o mundo não aproveitarem esta oportunidade para testemunhar aos “povos não alcançados” que estão chegando às portas de suas casas.
O que o Estado Islâmico tem de islâmico?
Marcos Amado – Muito! Creio que o Presidente Barack Obama está se equivocando ao dizer que o ISIS [Estado Islâmico do Iraque e do Levante] não representa o Islã. Eu não estou de acordo. Porém, o ISIS representa uma versão do Islã, que é a mais radical e cruenta. Eles se baseiam numa interpretação literal do Alcorão que não é compartilhada pela maioria dos muçulmanos ao redor do mundo.
Em setembro de 2014 um grupo de mais de 120 teólogos muçulmanos de todo o mundo de grande destaque na liderança muçulmana internacional escreveu uma “Carta Aberta” ao líder supremo do ISIS. Na carta eles explicavam porque não estavam de acordo com o que o ISIS está fazendo, e deram todas as razões corânicas e históricas. Infelizmente a mídia internacional, assim com a evangélica, não dá destaque a este tipo de documentos.
Você é um pastor batista e missionário experiente. Também é um grande estudioso do Islamismo há anos. Como você acha que a igreja brasileira enxerga os muçulmanos?
Marcos Amado – À medida que viajo pelo Brasil, tenho a impressão de que a igreja evangélica brasileira vê o Islamismo e os muçulmanos de uma maneira muito bélica. Parece que em nossas pregações e em nossos centros de capacitação missionária, estamos ensinando aos brasileiros a se defenderem dos muçulmanos, em vez de ensiná-los a amá-los. Estamos nos esquecendo que, apesar dos grupos radicais, os muçulmanos são pessoas como você e eu, que foram criados à imagem e semelhança de Deus. Se não formos até eles, eles não encontrarão a salvação em Cristo Jesus.
Por isso, o Centro de Reflexão Missiológica Martureo [do qual Marcos Amado é diretor] está fazendo umapesquisa para tentar entender melhor esta questão. Esperamos ter os resultados em breve.
Não é raro conhecer cristãos com “chamado para trabalhar com muçulmanos”. No último CBM (Congresso Brasileiro de Missões), em outubro de 2014, você informou que no passado o Islamismo e o Cristianismo já se deram muito bem. Como um missionário brasileiro deveria se relacionar com um muçulmano?
Marcos Amado – Logo que o Islamismo conquistou as “terras cristãs” do Oriente Médio por volta do ano 650, eles permitiram que os cristãos continuassem tendo seus cultos, suas igrejas, seus livros teológicos, seus trabalhos na administração pública, etc. Foi apenas séculos mais tarde que a situação se tornou conflitiva.
O Dr. Martin Accad, teólogo cristão evangélico formado pela Universidade de Oxford, afirma que existem basicamente cinco formas de nós, cristãos, nos relacionarmos com um muçulmano: as interações sincretista, existencial, apologética, polemista e kerigmática. Apesar de quase todas elas terem, em determinadas situações, o seu lugar, ele define que a kerigmática é a mais apropriada. Para os partidários dessa abordagem, a religião é uma parte natural da existência humana, mas Deus está “acima de qualquer sistema religioso”. Maomé deve ser visto como alguém que, mesmo equivocado, genuinamente acreditou ter sido chamado por Deus e que passou por diferentes estágios como ‘profeta’ e estadista. O Alcorão deve ser entendido como uma tentativa, não inspirada, mas sincera de Maomé de comunicar aquilo que ele acreditava ser a mensagem que já havia sido transmitida por Deus aos judeus e cristãos. Ele diz:
‘Muito embora os muçulmanos tenham como sua principal preocupação agradar a Deus, eles carecem da habilidade desse relacionamento profundo e pessoal com Deus, algo que, de acordo com os Evangelhos, só é possível para aqueles que respondem ao convite de Cristo para se aproximarem de Deus como Pai, por meio de uma filiação fraternal com ele mesmo.’
Na minha opinião, esta é a forma correta de interagirmos com os muçulmanos: entendendo que eles estão no caminho equivocado, mas que possuem uma desejo de conhecer a Deus. Cabe a nós fazermos esta parte.
Muito da perseguição contra cristãos ocorre em ambientes muçulmanos. O que isso diz sobre o Islamismo?
Marcos Amado – Isso mostra que existe um determinado tipo de clérigo muçulmano que, com uma interpretação particular do Alcorão, incita o povo contra os cristãos. Muitos desastres estão acontecendo ao redor do mundo por esta razão.
Porém, devemos ser cuidadosos: os radicais e certos líderes muçulmanos incitam o ódio contra os cristãos e contra todos os muçulmanos que não leem na mesma cartilha deles. No entanto, a grande massa muçulmana não tem essa atitude.
Até onde o diálogo com o islamismo poderia ir?
Marcos Amado – A palavra ‘diálogo’ tem tido uma conotação muito negativa no nosso meio. Por isso, tenho preferido a palavra ‘interação’. Essa interação deve ter como objetivo uma compreensão fiel, por parte do muçulmano, sobre quem é Jesus e o que ele fez por nós. Porém, como nos admoesta o Apóstolo Pedro, isso deve ser feito com “gentileza e respeito” (1 Pedro 3.15).
O que você acha que pode acontecer nas próximas décadas na relação entre Islamismo e Cristianismo?
Marcos Amado – Depende de nós, cristãos. Se mudarmos nossa compreensão sobre o Islã e o muçulmano, e passarmos a amá-los da mesma forma que Deus os ama, então muita coisa pode acontecer. Aliás, nos últimas duas décadas mais muçulmanos chegaram ao Senhor (inclusive, através de sonhos) do que durante todo o século passado.
O que as Escrituras nos ensinam sobre a relação com outras religiões?
Marcos Amado – Deus, inclusive através de Jesus, não suporta as religiões nem os religiosos. O que vemos na Bíblia é um convite a um relacionamento com o Deus Trino, como resultado da morte e ressurreição no nosso Senhor Jesus.
• Marcos Amado é pastor e atual diretor do Movimento de Lausanne para América Latina. Tem mestrado em missiologia pelo “All Nations Christian College” da Inglaterra e atualmente está fazendo seu segundo mestrado no Instituto de Estudos do Oriente Médio em Beirute, no Líbano. É missionário da SEPAL e recentemente fundou o Cento de Reflexão Missiológica Martureo, em associação com o Seminário Servo de Cristo em São Paulo (SP).
Fonte: texto publicado no portal Ultimato