Era quase meio-dia, uma mulher moradora de Sicar, região de Samaria, foi ao poço para retirar água para sua lide cotidiana. Esse era um horário estratégico em que a área ao redor do poço estaria vazia, visto que as pessoas estariam em casa, para fazerem suas refeições, e poderia retirar água sem ter que se comunicar com outros. Além de samaritana, ela era uma mulher de reputação duvidosa que não era casada oficialmente e tivera outros parceiros.
Ao chegar ao poço, ela observou que ali havia um judeu, Jesus, que se dirigiu a ela, deixando-a surpresa. Naquele tempo, judeus não se comunicavam com os samaritanos porque os consideravam um povo mestiço que não tinha parte na herança messiânica. Além da barreira religiosa, havia a barreira de gênero que homens não dirigiam a palavra às mulheres.
Jesus que vinha de jornada pela Judeia, estava cansado e pediu água. Surpresa com o contato, a mulher replicou e Jesus despertou sua curiosidade ao afirmar que possuía água viva, algo que ela queria porque a libertaria da necessidade, segundo sua visão, de todos os dias ter que ir ao poço, enfrentar olhares alheios (às vezes de menosprezo ou reprovação), e retirar a quantidade de água necessária à sua subsistência.
Em seguida, Jesus pediu que chamasse seu marido, o que ela assumiu que não era casada, ainda que coabitasse com alguém. Nisso, reconhece que Jesus é um profeta porque descreveu aspectos de sua vida que outros desconheciam. Até argumenta a respeito do modo correto de adoração a Deus e nesse momento Jesus se apresenta como o messias, o que ela imediatamente crê.
E ao crer em Jesus como messias, o seu ser foi transformado, deixou seu cântaro e entrou na cidade para anunciar essa máxima. A mulher que procurara o poço sob certo anonimato, doravante com ousadia se dirigia aos homens (algo impensável), testemunhando do que ouvira e da divindade de Jesus. O resultado é que vários foram conferir o que dissera. Nesse dia, diversos samaritanos creram em Jesus e pediram que ficasse em sua cidade para lhes ensinar. Após dois dias de ensino intensivo, muitos samaritanos creram não apenas pelo testemunho da mulher, mas por ouvir do próprio salvador do mundo.
O texto bíblico narrado pelo evangelista João, no capítulo 4, possui inúmeros elementos para reflexão e aplicação à vida cristã. Não sabemos o nome daquela mulher samaritana, no entanto sua história é deveras interessante porque podemos afirmar que foi missionária quando a igreja nem fora instituída.
Notemos a estratégia de Jesus: assentou-se próximo ao poço, enquanto seus discípulos foram à cidade comprar alimento (v.6). Nesse ínterim, quando a mulher se aproximou, ainda que estivesse cansado da jornada, não perdeu a oportunidade e iniciou um diálogo. A cultura da época não foi embaraço para anunciar a mensagem de salvação e diante da receptividade, Jesus dedicou atenção a uma única pessoa – acolhendo, ouvindo, instruindo-a. Ele conferiu valor àquela mulher tanto como pessoa quanto como pecadora a ser redimida.
Após reconhecer o senhorio de Cristo, a mulher não se importou com as convenções sociais e falou aos homens da cidade (v.28). Ela expôs sua própria vida e como Jesus a transformara – “vinde e vede um homem que me disse tudo quanto tenho feito; porventura, não é este o Cristo?” (v.29) É um testemunho paradigmático: a conversão de uma única pessoa, redundou na conversão de vários outros.
O reino de Deus tem uma dinâmica distinta da que comumente assistimos nas relações contemporâneas. O sucesso da evangelização não está diretamente relacionado ao número de pessoas que ouvem o anúncio, mas ao modo como este é realizado. A evangelização visa alcançar pessoas reais com suas alegrias, suas dores, suas demandas, suas expectativas, suas experiências. E é fundamental ouvi-las em seus anseios e inquietações para, assim como Jesus, responder com a mensagem apropriada. É lançar a boa semente, cultivar a terra para que possa germinar e dar fruto (1 Co 3.7-9).
Outro aspecto é um certo desafio à lógica matemática. Se na evangelização, somente uma pessoa aceitar a mensagem, não é sinônimo de fracasso, dantes poderá ser o inverso. Assim como no caso da mulher samaritana, não é a maior quantidade que garante melhores resultados, um novo convertido anuncia Jesus para um, dois, três e isto se multiplica, alcançando dezenas, centenas, quiçá milhares.
O fato de ser ou estar em anonimato diante da comunidade a que pertence não impede que o cristão cumpra a ordem de Jesus (Mc 16.15). O homem é um ser social e como tal está rodeado por outros e estabelece relações pessoais, profissionais, políticas, culturais. E nos diferentes ambientes em que se move e encontra pessoas, o cristão pode (e deve) apresentar aquele que é água viva e que se alguém dele “beber nunca terá sede e se fará nele uma fonte de água a jorrar para a vida eterna” (v.14).
Colunista: Sandra Mara Dantas