A história do pequeno Pegor Karajian se confunde com a de Aylan Kurdi, o menino sírio encontrado morto em uma praia da Turquia e que se tornou símbolo da crise migratória que atinge a Europa, o norte da África e o Oriente Médio.Assim como Aylan, Pegor nasceu durante a guerra e mesmo sem ainda entendê-la arriscou a vida para fugir dela junto com a família. Teve mais sorte, sobreviveu e hoje vive com os pais na região metropolitana de Curitiba. “Podia ter sido ele. Quando se vive em um ambiente terrível de guerra você tem dificuldade até para dormir porque pode amanhecer morto. Podia ser qualquer outro menino sírio, como tantos que morreram. Em nosso bairro, uma criança foi atingida por estilhaços de bombas e um ferro atravessou a sua cabeça. Aquela imagem assustadora ainda permanece em nossa mente”, diz Sona Markeian, mãe de Pegor. O menino atingido pelo ferro na cabeça junto com a sua família foi levado para casa de parentes de Sona para pudessem ser socorridos. “Estavam todos ensanguentados. Foi uma cena terrível, traumatizante. Minha filha ficou mais de um ano sem conseguir entrar na casa dos tios porque a imagem da família machucada e do menino ferido a deixou chocada”, completa Sona.De bermuda azul, camiseta vermelha e botinhas, como se estivesse pronto para um passeio, a imagem do menino mártir fez com que mães do mundo inteiro, sobretudo as sírias, chorassem a sua morte, fato que tirou da invisibilidade pelo menos cinco mil conterrâneos que perderam a vida no mar mediterrâneo em tentativas frustradas de fugir da maior crise humanitário deste século. “Quando uma criança de nosso meio cai e se machuca, já sentimos a dor deles, quando vimos este menino sentimos a dor da família também. Mas, este sentimento pelos países ocidentais e da Europa está muito atrasado. Há quase quatro anos todos os dias famílias choram a morte de seus filhos em nosso país e nada ainda foi feito. Aylan é apenas um dos milhares de inocentes que morreram e continuam morrendo na guerra ou por causa dela”, completou Sona Markein.A família de Pegor chegou ao Brasil há dois meses. O repórter fotográfico Thiago Souza, da equipe da agência de notícias GNI, acompanhou toda a história desde a chegada ao aeroporto em São Paulo até a festa de aniversário de dois anos que ele ganhou dos pais na tarde de sábado, 5 de setembro. A festa foi apenas para os parentes e amigos mais chegados. O sorriso das crianças sírias era contagiante e o abraço dos amiguinhos brasileiros demonstrava o quanto já se sentem acolhidos no Paraná. Os olhos dos pais, tios e primos de Pegor brilhavam quando a conversa era sobre os sonhos de abrirem seus próprios negócios e vencer em terras brasileiras.
Irmãos sírios revelam detalhes da rota que fizeram para fugir da guerra
Refugiados da guerra na Síria, os irmãos Garbis e Antranig Karajian sairam de seu país de origem em busca de um lugar seguro para viver com suas famílias há quase um ano.Garbis deixou o país com lágrimas nos olhos, pois deixou ainda no colo da mãe o seu filho Pegor. Antraning beijou sua esposa e filhos e prometeu que logo mandaria os buscar. Ele revelou ao GNI detalhes da fuga que quase custou sua vida.
“Saímos de nossa cidade, Alepo, em direção ao Libano, mas escolhemos um caminho mais longo para evitar passar por cidades dominadas pelos terroristas. Uma viagem normal duraria em média seis horas até a fronteira. Levamos quase um dia e mesmo assim encontramos barreiras de extremistas ligados ao Estado Islâmico. Fomos parados por este grupo e estou vivo graças a estar usando camisa de mangas cumpridas. Tenho uma tatuagem de uma cruz no braço porque sou cristão ortodoxo. Se eu estivesse com camisa de mangas curtas e os radicais percebessem a minha marca eu seria decapitado”, disse Antranig.
A primeira vitória foi atravessar a fronteira. De lá pegaram um voo até o Japão, mas o destino final foi o Brasil. A preocupação com as esposas e filhos atormentaram os irmãos por sete meses. A angústia de saber que eles estavam em uma das cidades mais violentas da guerra não os deixava dormir tranquilos. Mas, o valor das passagens aéreas e da documentação de viagem para todos os nove membros da família que ainda estavam em Alepo ainda impedia o reencontro.
Ainda durante a viagem, Antranig chorava ao lembrar de sua igreja que fora destruída pouco antes de decidir deixar o país. “Um bairro inteiro de cristãos foi totalmente destruído. Está em ruínas. Era onde minha esposa trabalhava”, disse. Muito emocionado, ele mostrou à reportagem da Gazeta do Povo fotos das ruínas daquilo que restou do lugar em que ele amava viver.
Refugiados reencontram esposas e filhos no Brasil
Voluntários do projeto Casa dos Refugiados em Curitiba se sensibilizaram com a história dos irmãos Karajian e levantaram recursos para passagem dos nove familiares que ainda estavam em Alepo, na Síria. Com as passagens compradas, o primeiro desafio era chegar ao Líbano. Arevig Karajian, de 18 anos, é a filha mais velha de Antranig. A jovem olhou pela última vez alguns objetos de estimação que não pode trazer ao Brasil. Despediu-se das suas origens e da cidade destruída e junto com sua família iniciou a sua saga até chegar ao Brasil.
Ela também relata que sua tia Sona, não conseguiu despedir-se do seu primo que morava a menos de dois quilômetros de sua casa. O prédio onde ele morava foi bombardeado por rebeldes extremistas. A estrutura não resistiu e o prédio desabou. O corpo do seu primo não foi encontrado em meio a tantos escombros. A mãe deste jovem, desesperada quando soube da notícia não resistiu e morreu após um ataque cardíaco.
Dos nove familiares, o único homem era o irmão de Arevig, um jovem de 16 anos, mas com um porte físico que aparenta ser mais velho. Todos os outros eram mulheres e crianças. As mulheres fizeram a viagem de burca. A rota da fuga foi parecida com a de seu pai. Elas deram a volta no país procurando cidades seguras até chegar ao Líbano 18 horas depois. De lá as mulheres da família Karajian ligaram para os maridos, felizes por conseguirem chegar ao país vizinho. O mais difícil havia passado. Alegria no aeroporto do Líbano e também no Brasil. Os irmãos Karajian estavam mais próximos de resgatar a família. Apenas 23 horas separavam a família. O voo de Beirute, no Líbano, até o aeroporto internacional de Guarulhos, em São Paulo, fez uma demorada escala em Doha no Catar.
Às sete horas da manhã do dia 25 de junho deste ano, voluntários do projeto Centro de Apoio ao Estrangeiro no Brasil, organização que mantém a Casa dos Refugiados em Curitiba, saíram em uma van junto com os irmãos Karajian para completar a missão do resgate de suas famílias. Eles mal conseguiram dormir na noite anterior e estavam ansiosos para o encontro.
Na hora do almoço, em um restaurante já em São Paulo, uma reportagem na TV falava sobre a guerra na Síria, mas os irmãos estavam mais preocupados com o relógio do que com a informação. Já no aeroporto, os olhos de Garbise Karajian estavam fitados no painel de informações, que logo trouxe a informação que o voo da Catar Air Lines teve o desembarque autorizado para às 16h40. Foi o primeiro sorriso de Garbis naquela dia.
Os passageiros deste voo chegaram ao saguão do aereporto de Guarulhos, mas nada da família Karajian. O momento foi de tensão e um dos voluntários descobriram que o motivo era a dificuldade do preenchimento da Declaração de Bagagem que estava apenas em inglês e português. E a maioria dos familiares fala apenas o árabe.
Resolvida a situação, as mulheres da família Karajian finalmente chegaram ao saguão do aeroporto. O reencontro foi emocionante. Todos falavam ao mesmo tempo. Muitos já chorando. A reportagem do GNI registrou estes momentos. Garbis mal podia acreditar que estava com seu filho, Pegor no colo. Neste momento, nem mesmo os voluntários resistiram e também desabaram a chorar.
O Major Mário Sérgio Garcez da Silva, um dos voluntários que proporcionou a vinda desta família ao Brasil disse ao GNI que a alegria imensurável daquela família contagiou também a sua vida. O grupo de voluntários alugou duas casas por um ano. Uma para cada família. Colocaram toda a mobília, pintaram as casas, como se fossem para eles morarem. “Chegou ao fim o ciclo de agonia de duas famílias. Agora o choro se tornou em festa e o aniversário do pequeno Pegore revela isso”, disse Mário. “A pequena ajuda não mudou apenas a vida deles, mas a nossa também. Hoje somos amigos irmãos destas famílias. Se outra pessoas também ajudarem outros refugiados, podemos reescrever a história de muitas família que estão condenadas a morte na guerra”, disse o major.
Matéria enviada por Thiago Souza, parceiro do Radar Missionário
Fonte: Oswaldo Eustáquio /GNI Fotos: Thiago Souza / GNI